Propostas para a Cúpula de Presidentes Amazônicos
Nos últimos anos, a Amazônia tem concentrado grande atenção de diferentes iniciativas de financiamento que envolvem governos, bancos e empresas. Os povos indígenas amazônicos têm sido excluídos desse financiamento. Menos de 1% do financiamento para o clima chega aos povos indígenas[1]. Ainda que todas essas iniciativas tenham como discurso contribuir para a preservação da Amazônia por meio de um desenvolvimento sustentável, a região tem chegado a um ponto de não retorno. nem todas têm contribuído de maneira efetiva e prática a salvar a Amazônia e seus povos
Algumas dessas iniciativas são: a iniciativa amazônica do BID (BID-IAMZ), o Fundo de Bioeconomia Amazônica do GCF (Fundo Verde do Clima), criado em 2021 e executado pelo BID na Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Brasil, e que busca reduzir os impactos da mudança climática no bioma amazônico. Este programa, parte do BID-IAMZ e que busca reunir
$1000 milhões com outros doadores (Alemanha, Holanda, Suíça, etc) conta com USD 279 milhões do GCF e busca alcançar 600 milhões de dólares para fomentar o investimento privado, com o objetivo de reduzir 6,2 milhões de tCO2e anuais, ao longo dos 20 anos previstos para os ditos investimentos privados.
O Fundo Amazônia que se implementa no Brasil, administrado pelo BNDES desde 2008, alcança contribuições superiores a USD 800 milhões principalmente da Noruega e Alemanha, e anúncios recentes dos Estados Unidos (USD 500 milhões) e Grã-Bretanha (USD 100 milhões). A Declaração Conjunta de Redução de Emissões, por USD 300 milhões no Peru, com Noruega, Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra.
Existem 629 milhões de hectares que são Áreas Prioritárias na Amazônia[2]: 33% são ecossistemas primários e 41% são sistemas com baixa degradação. A preservação da região é uma responsabilidade global. Reconhecer os territórios indígenas que sobrevivem na região e designar áreas protegidas e não mistas requer milhares de milhões. O ordenamento do Marco Global da Biodiversidade é um feito histórico que integra pela primeira vez nos textos da Convenção de Biodiversidade[3], os territórios indígenas e tradicionais como uma categoria diferente para preservar essas regiões-chave para a vida no planeta. O reconhecimento de territórios, a criação e manutenção de áreas protegidas, bem como a restauração de várias áreas-chave não podem recair somente sobre a renda dos países e economias do Sul global. Todas essas ações são urgentes para frear a morte regressiva ou o ponto de não retorno da Amazônia e garantir pelo menos 80% de proteção até 2025. Da Amazônia, dependem ecossistemas como o Planalto do Tibete e a Antártica Ocidental[4].
Essas cifras perdem valor quando as comparamos com financiamento que recebem as grandes empresas que provocam o desmatamento no planeta. Segundo Forests & Finance, bancos de todo mundo garantiram empréstimos no valor de USD 267 bilhões com empresas em risco de destruir florestas tropicais do Brasil, no sudeste asiático e a África desde o Acordo Climático de Paris[5]. Em outras palavras, o financiamento para empresas que desmatam a Amazônia é dezenas de vezes maior que os Fundos que se pretendem destinar a frear o desmatamento.

- Nesse contexto, a principal chamada da Cúpula dos Presidentes da Amazônia deve ser aos governos e bancos da União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos, China e de seus próprios países para que deixem de financiar empresas agropecuárias, mineradoras, petrolíferas, energéticas, transportadoras e empreiteiras de megainfraestruturas que estão destruindo a Amazônia. O financiamento para Amazônia deve começar pela redução do financiamento ou desinvestimento em atividades e empresas que promovem devastação da Amazônia. Nenhum financiamento para a devastação da Amazônia deve ser tolerado. os bancos devem ter sistemas robustos de controle que garantam que não financiarão atividades ilegais.
- Somente no Equador, os bancos europeus garantiram 10 bilhões de dólares em financiamento para o comércio de mais de 155 milhões de barris de petróleo da região equatoriana, entre 2009 e 2019. As estratégias dos povos indígenas e da sociedade civil frearam esses fluxos e fizeram chamados aos bancos internacionais para aplicar uma exclusão geográfica para a Amazônia e sua integridade. Dois bancos avançaram nessa exclusão (ING y BNP Pariba). Essa exclusão já se implementou em outras regiões como o Ártico. Exigimos uma exclusão geográfica que freie os investimentos para o extrativismo na Amazônia.
- Em relação ao financiamento para salvar a Amazônia, é fundamental garantir mecanismos para que esses bilhões de dólares não se percam na burocracia administrativa, em consultorias, em planejamentos que permanecem no papel. O caminho para o financiamento deve partir essencialmente de baixo para cima. Partindo dos territórios e das comunidades indígenas, afrodescendentes, camponeses originários e dos atores locais que conhecem a realidade e são chave para qualquer iniciativa que busca frear efetivamente a destruição da Amazônia. Os mecanismos de financiamento devem partir dos planos de gestão territorial dos povos indígenas e camponeses originários, e não dos escritórios.
- A participação indígena e dos povos Amazônicos não devem ser decorativas, nem limitada a presença de um representante indígena nos diretórios dos fundos de financiamento. os mecanismos de participação social nos fundos de financiamento devem alcançar a todos os níveis e ser atento à inserção dos mais amplos setores, em cada país e cada programa público de investimento.
- Experiências de mau uso, desperdício e corrupção no financiamento de projetos socioambientais obriga a criação de mecanismos de transparência, controle e vigilância social para o financiamento para Amazônia.
- O financiamento não pode ser canalizado principalmente através de setor privado, que sempre prevê a maximização de seus lucros em detrimento da preservação do meio ambiente. Iniciativas como o Fundo para Amazônia do Fundo Verde do Clima, cujo administrador é o BID, devem ser dirigidas sobretudo para financiar de maneira expedita e não burocrática as iniciativas dos povos indígenas, as organizações locais e os municípios.
- O conceito de bioeconomia é um termo amplo que abarca uma diversidade de enfoques contrapostos que vão desde o greenwashing das corporações, a mercantilização da natureza, até práticas de harmonia com a natureza dos povos indígenas e de empreendimentos econômicos conduzidos sob certos limites, que buscam preservar os ciclos vitais da natureza. Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994), pioneiro na formulação da bioeconomia, asseverava que a economia é um subsistema da ecologia e que não possui uma existência alienada da natureza. Consequência, a economia deveria estar subordinada aos limites geofísicos da terra e nunca poderia crescer ilimitadamente num planeta finito. Distorcendo esse enfoque, desenvolveu-se uma concepção de bioeconomia que se inscreve no marco do capitalismo verde e que pretende aplicar as regras do capital à natureza, valorizando em termos monetários para que seja atrativa aos investidores dos mercados. Esse conceito de bioeconomia tem sido utilizado pelo BID para impulsionar um fundo aos investidores privados a título de salvar a Amazônia.
- É indispensável que os estados iniciam no debate público sobre as várias economias em curso, e não mantenham os preconceitos e privilégios da bioeconomia das commodities. Os povos Amazônicos desenvolvem suas economias próprias, de Bem Viver/Vida Plena, que disputam o sentido das políticas públicas sobre bioeconomia de commodities, em prol da priorização de bioeconomias holísticas indígenas, afrodescendentes e de comunidades tradicionais.
DÍVIDA PELO CLIMA
A proposta de mudar a ação climática na Amazônia pelo pagamento da dívida externa a uma proposta que se aceita na experiência dos anos noventa e do início desse século, da iniciativa de
alívio para Países Pobres Muito Endividados (Heavily Indebted Poor Countries, HIPC) da Iniciativa de Alívio da Dívida Multilateral (IADM) que foram aplicadas em países como a Bolívia, no ano de 2006, com a condição de que os recursos para o pagamento do serviço da dívida externa se destinaram a programas sociais para redução da pobreza.
Diferentes estudos concordam que a mudança da dívida pela ação social foi importante para as finanças públicas da Bolívia, mas não relevante para a redução da pobreza, uma vez que grande parte dos ditos recursos não foram destinados esse fim e/ou terminaram consumindo-se no marco da burocracia estatal
- Reverter o ponto de não retorno requer medidas sistêmicas. A dívida é a outra face da moeda do extrativismo. Países Amazônicos concedem seus recursos minerais, petrolíferos, agrícolas e outros para adquirir ou pagar a dívida. Requer-se um mecanismo que corte esses ciclos financeiros perversos. Um perdão condicional da dívida que sirva de guarda-chuva para região e que tome contas inúmeras funções sistêmicas que da Amazônia para o planeta deve ser a base de uma negociação regional da dívida.
- Com essa experiência, qualquer troca da dívida por ações climáticas para Amazônia deve ser produtos de um processo participativo que oriente o financiamento a atividades relevantes para preservar a Amazônia e seus povos, e que disponha de mecanismos de fiscalização e transparência que garanta o cumprimento das metas que se busca alcançar, principalmente a partir da vigilância territorial dos povos amazônicos.
- A troca da dívida pelo clima não deve servir para legitimar dívidas externas e legítimas contraídas pela imposição externa e de decisões não consultadas e vinculadas, em muitos casos, a graves atos de corrupção.
- A trocar da dívida por ações do clima não devem compreender mecanismos especulativos e de mercantilização da natureza, como pagamento de bônus de carbono da Amazônia como considera o FMI[6].
MERCADOS DE CARBONO
Os mercados de carbono são espaços comerciais em que os países e as empresas podem vender e comprar certificados de redução de emissões de gases de efeito estufa. Nos mercados de carbono, de um lado estão os compradores que têm certas metas ou obrigações de reduzir suas emissões, e do outro lado estão os vendedores de certificados de carbono que realizam ações de redução de emissões. Por meio dos mercados de carbono, os comparadores desses bônus supostamente compensam as emissões que deveriam reduzir em sua empresa ou país. baseiam-se no grave erro de que o carbono fóssil é igual ou “compensável” pelo carbono biótico. Em outras palavras, esse mecanismo de compensações (‘offsets’ em inglês) permite a empresas e países contaminantes comprar autorizações para seguir contaminando
Os certificados de redução de emissões são mercadorias imaginárias, que se criam a partir daquilo que se espera que ocorra em outro lugar e, portanto, têm o caráter especulativo. Por exemplo, no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que é um dos mercados de carbono criado sob o Protocolo de Kyoto, outorgaram-se majoritariamente certificados de carbono a indústria que nunca deveriam ser construídas para eliminar hidrofluorcarbonos e óxido nitroso, como é o caso de mega-hidrelétricas na Amazônia aprovadas para receber créditos de carbono, como UHE Jirau no Rio Madeira, joint venture’ da multinacional francesa Engie (ex-GDF Suez) com a Eletrobras. Essas iniciativas, entre outros aspectos negativos, ignoram as emissões significativas de metano desses projetos, os impactos sobre a biodiversidade nos ecossistemas de água doce e as violações de direitos das comunidades locais afetadas.
No Mecanismo de Desenvolvimento Limpo se incluiu outorga de certificados de redução de emissões para projetos de florestamento e reflorestamento, e posteriormente se aprovou o mecanismo de Redução de Emissões derivadas do Desmatamento e da Degradação das florestas, mas conhecido como REDD y REDD+. O Mecanismo pretende garantir a concessão e o comércio de créditos de carbono em troca da redução de emissões futuras evitadas devido ao desflorestamento. Enquanto a florestação e reflorestação implicam na plantação de novas árvores para que armazenem carbono, com todas as complicações que isso implica pelo desenvolvimento muitas vezes de monoculturas invasivas, o mecanismo REDD pretende conceder créditos de carbono pelo desmatamento que se propõe a evitar, favorecendo aqueles que mais desmatam porque parte de uma linha base de desmatamento mais alto.
A maioria dos governos da Amazônia, com exceção da Bolívia, subscreveram-se ao mecanismo REDD. Reduz as florestas e a selva – que são essenciais para o ciclo da água, da biodiversidade, da proteção dos ecossistemas, da soberania alimentar e da oferta de medicamentos naturais para os povos que habitam – a somente uma de suas funções, que é a captura e armazenamento de carbono. Esse “serviço ambiental” das florestas ao serem cultivos de carbono é valorizada em termos monetários, oscilando o seu preço segundo oferta e a demanda.
De maneira semelhante a outros certificado de redução de emissões, os créditos de carbono dos projetos REDD contribuem para que: a) se descumpram os compromissos efetivos de redução de emissões dos países desenvolvidos e empresas contaminantes; b) intermediários e entidades financeiras se apropriem de grande parte do valor dos créditos de carbono, chegando muito pouco aos países, às populações indígenas e às florestas; c) se crie uma bolha financeira especulativa a partir da compra e venda desses ditos certificados, que alimenta a “pirataria do
carbono” (Carbon Cowboys), que expande as tensões e conflitos em todos os países Amazônicos; d) se estabeleçam novos direitos sobre a capacidade de captura de carbono das florestas, os quais geram conflitos no interior de populações indígenas, com o Estado e com as instituições que administram os projetos REDD.
- Financiamento para salvar as florestas da Amazônia devem ser integral, direto, transparente, levar em consideração as realidades locais e a participação dos povos, e não gerar créditos de carbono ou certificado de redução de emissões que somente serve para que outros descubram seus compromissos de redução de emissões, como é feito por meio do mecanismo REDD+. A Amazônia não é uma mercadoria para o desenvolvimento de mercados de carbono. Longe de uma aproximação mercantil para salvar a Amazônia, é necessário criar mecanismos de financiamento que incidam de maneira efetiva nas causas estruturais que estão por trás da devastação da Amazônia, e que garantam os direitos dos povos que habitam e da natureza.
- Estabelecer mecanismos de impostos sobre o carbono para destinar os ditos recursos à Amazônia.
- Frente à posição assumida pela maioria dos governos da Amazônia, os povos indígenas têm desenvolvido suas críticas estruturais ao REDD+ convencional, levantando uma proposta de “REDD+ Indígena Amazônico”, Para tentar reformular e condicionar ao REDD+, mediante a não-venda dos créditos de carbono, a prioridade dos planos de vida e segurança territorial aos quais os REDD+ devem se adequar, bem como o controle sanção da pirataria de carbono. A proposta do “REDD+ Indígena Amazônico” tem sido incluída no Peru (com quatro normas legais), Colômbia, Equador e deve ser considerada pelos demais Estados Amazônicos
[1] Rainforest Foundation Norway-RFN- 2021
[2] Quintanilla, Marlene, Alicia Guzmán León, Carmen Josse. 2022. The Amazon against the clock: a Regional Assessment on Where and How to protect 80% by 2025. https://amazonia80x2025.earth/
[3] https://amazonia80x2025.earth/wp-content/uploads/2023/04/roadmap-4.pdf
[4] Liu, T., Chen, D., Yang, L. et al. Teleconnections among tipping elements in the Earth system. Nat. Clim. Chang. 13, 67–74 (2023). https://doi.org/10.1038/s41558-022- 01558-4
[5] https://forestsandfinance.org/news/report-global-bank-policies-dangerously-inadequate/
[6] https://www.imf.org/es/Blogs/Articles/2022/12/14/swapping-debt-for-climate-or-nature-pledges-can-help-fund-re
Un comentario en “Financiamento direto, transparente, participativo e não à mercantilização da Amazônia”