Salvemos a Amazônia da Mineração e do Mercúrio

Propostas sobre mineração para a Cúpula dos Presidentes da Amazônia

DEMONSTRATIVO DA SITUAÇÃO

Segundo o Informe de Avaliação da Amazônia 2021 do Painel Científico pela Amazônia[1]1, a mineração é fonte significativa de impactos ambientais na Amazônia, com 45.065 concessões mineradoras em operação ou aguardando aprovação, das quais 21.536 sobrepõem-se às áreas protegidas e terras indígenas.

Ainda que a expansão da fronteira agropecuária seja a principal fonte de desmatamento na Amazônia, a mineração é o principal impulsionador do desmatamento na Guiana Francesa, Guiana, Suriname e em partes do Peru e Venezuela. Na Guiana, a mineração conduziu à perda de 89.000ha de florestas, entre 1990 e 2019, uma área 18 vezes maior que em relação às perdas pela expansão agrícola, no mesmo período. No Suriname, 71% do desmatamento é atribuído à mineração. No Brasil, 20% da área originalmente ocupada pelas cangas amazônicas do Brasil (144 km²) foi perdida para a extração de mineral de ferro. Entre 2016 e 2020, perderam-se mais de 140.000ha de florestas primárias na Amazônia venezuelana. O desflorestamento na Venezuela foi promovido pela mineração ilegal, a expansão agrícola e os incêndios[2].

Estima-se que existam 453 focos de mineração ilegal na Amazônia brasileira, e mais de 2500 por toda a bacia amazônica. A mineração do outro, que é majoritariamente ilegal, deixou de ser artesanal em boa parte, convertendo-se em uma atividade semi-mecanizada em que se emprega grandes e custosos maquinários – tais quais perfuradores de prospecção e escavadoras hidraulicas. Documentaram-se altas concentrações de mercúrio total (Hg) e metilmercúrio (MeHg) nas redes tróficas aquáticas, desde 1980. A bioacumulação de mercúrio faz com que as concentrações aumentem consideravelmente nos predadores superiores, como os grandes bagres, o jacaré-açú, as ariranhas e os botos. Vários estudos informam concentrações de mercúrio no pescado muito superiores ao limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde. O consumo de peixes por parte de comunidades humanas da Amazônia provoca alguns dos níveis de mercúrio mais altos registrados no mundo no cabelo humano, junto a problemas de saúde associados. As populações indígenas Kayabi do Rio Teles Pires, na Amazônia brasileira, apresentaram 12,7 μg/g de mercúrio em seus cabelos, enquanto que os indígenas Munduruku do Rio Tapajós, também da Amazônia brasileira, apresentaram níveis que oscilam entre 1,4 y 23,9 μg/g. (Dórea et al. 2005; Basta et al. 2021). Estudos similares foram realizados em populações da Bacia do Rio Caquetá na Amazônia colombiana, em que se verificou 79% de indivíduos com níveis de mercúrio no cabelo superiores a 10μ g/g (Olivero-Verbel 2016). Situação similar foi verificada em povos indígenas do Norte de La Paz, Bolívia (CPILAP, 2022). Internacionalmente o limite recomendado de concentração de mercúrio no cabelo varia de 1 a 2 μg/g (OMS 1990).

Na Venezuela, o MeHg alcança altos níveis tanto na circulação materna como fetal, com potencial de causar danos irreversíveis ao desenvolvimento infantil, incluindo a diminuição da capacidade intelectual e motora. O Hg também pode afetar a saúde dos adultos, uma vez que afeta o sistema nervoso, digestivo, renal e cardiovascular. os efeitos sobre o sistema nervoso central incluem depressão e irritabilidade extrema; alucinações e perda de memória; tremores que afetam as mãos, a cabeça, os lábios e a língua; cegueira, retinopatia e neuropatia óptica; perda de audição; e o sentido de olfato reduzido. A doença de Minamata foi recentemente confirmada nas comunidades amazônicas, resultantes da exposição a altos níveis de MeHg, com sintomas que incluem tremores, insônia, ansiedade, sensações táteis e vibratórias alteradas, e déficit do perímetro visual.

Desde a assinatura do Convênio de Minamata, vários países reduziram a comercialização de mercúrio. Brasil, Peru e Colômbia informaram uma forte redução das importações. Foi neste cenário que a Bolívia emergiu como o maior importador de mercúrio do mundo, ignorando os objetivos do tratado para reduzir seu uso e aproveitando as lacunas no tratado, que permitem importações contínuas e o uso de mercúrio em pequenas operações mineradoras[3]. Em 2020, a Bolívia foi o principal importador mundial de mercúrio com 24,6% de participação a nível mundial e 165 toneladas importadas, sendo essas direcionadas fundamentalmente à mineração ilegal de ouro e ao contrabando para o Peru, Brasil e Colômbia.

Entre 2017 e 2021, a importação boliviana do mercúrio advindo do México quase duplicou, com a participação de empresários peruanos que registraram suas companhias em La Paz. Entre 2014 e 2022, a Bolívia importou mais de 1100 toneladas de mercúrio, cerca de 55,5% foi enviada do México, e os 44,5% restantes adivinham da Rússia, Índia, Vietnã, Tajiquistão e outros países. Do total das importações realizadas pela Bolívia desde 2014, 70% correspondem precisamente aos anos posteriores à vigência da Convenção de Minamata[4]. Estima-se que aproximadamente a metade do mercúrio importado tenha sido enviada a operações mineradoras ilegais no Peru e no Brasil.

As atividades mineradoras legais e legais estão desencadeando um etnocídio e ecocídio, como se pode observar por seu grave impacto sobre os povos indígenas dos Yanomami no Brasil e sobre a bacia do Rio Madre de Dios, no Peru.

NORMATIVA E MECANISMOS

OTCA

  • O Tratado de Cooperação Amazônica, assinado por oito dos nove países da Amazônia em 1978, não menciona de maneira explícita a mineração, mas a compreende em seu primeiro artigo, ao assinalar como objetivo de cooperação: “a preservação do meio ambiente e A Conservação e utilização racional dos recursos naturais desses territórios”;
  • Nas declarações das três reuniões de presidentes da Amazônia (1989, 1992 e 2009), não há sequer uma menção à mineração. nas onze reuniões de ministros de Relações Exteriores da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), somente encontramos três muito breves à mineração (2000, 2005 e 2011)[5]. No Conselho de Cooperação Amazônica da OTCA, do qual fazem parte as altas autoridades dos oito países que o conformam, só há uma menção nos documentos de sua XVI reunião para gerir o financiamento para um “Grupo de Trabalho sobre mineração ilegal”, do qual não há registros de seu funcionamento.
  • A agenda estratégica da OTCA para o período de 2010-2018 não inclui a mineração como tema, nem como subtema, e somente uma vez a menciona no subtópico de recursos hídricos: “Promover espaços de discussão comuns para estabelecer políticas de controle das atividades de mineração que geram a contaminação das águas”

MINAMATA

  • Com exceção da Venezuela, que é somente signatária da Convenção de Minamata, todos os países da OTCA ratificaram o dito instrumento internacional sobre o mercúrio, que entrou em vigor em 2017. A Convenção de Minamata estabelece a obrigação dos Estados signatários em reduzir a importação e uso de mercúrio, assim como manter o registro adequado da rastreabilidade desse metal, seu tratamento, comercialização, descarte final e identificação dos locais com maiores impactos. No entanto, países como Bolívia estão longe de reduzir a importação de mercúrio, pois houve um incremento substancial do seu uso desde 2017, e não foi cumprida sua obrigação internacional de apresentar um Plano de Ação Nacional para redução da importação e uso de mercúrio. A cada três anos, os países que declaram possuir mineração artesanal de pequena escala, devem apresentar uma avaliação do progresso e do cumprimento de seu Plano de Ação Nacional.

CAN

  • A Comunidade Andina (CAN), que é um organismo supranacional ao contrário da OTCA, e do qual formam parte quatro países Amazônicos, aprovou em 2012 a Decisão 774, mediante a qual se aprova a “Política Andina de Luta contra a Mineração Ilegal”, com vistas a:
    1. Enfrentar de maneira integrada, cooperativa e coordenada a mineração ilegal e atividades relacionadas, que atentam contra a segurança, a economia, os recursos naturais, o meio ambiente e a saúde humana;
    2. Otimizar o controle a vigilância da importação, exportação, transporte, processamento, comercialização e qualquer outro tipo de transação, a nível andino e com países terceiros, de minerais e seus produtos provenientes da mineração ilegal, assim como de maquinários, equipes, insumos [como mercúrio] e hidrocarbonetos, que possam ser utilizados na atividade; e
    3. Desenvolver ações de cooperação que contribuam para a formalização da mineração, fomentem a responsabilidade social e ambiental, e promovam o uso de métodos e tecnologias eficientes para o aproveitamento racional dos recursos naturais e da sustentabilidade ambiental.
  • A Política Andina de Luta contra a Mineração IlegalDetermina que os países membros assumam ações de cooperação para «1) Combater a lavagem de dinheiro e crimes relacionados provenientes da mineração ilegal; 2) Fortalecer mecanismos de controleE rastreabilidade de maquinaria, hidrocarbonetos, equipes e insumos, utilizados na mineração, assim como de seu produto final; 3) Planificar e executar operações contra a mineração ilegal mediante ações coordenadas em zonas de fronteira; 4) Colaborar na identificação e prisão de quem participa em aparatos ou estruturas organizadas da margem da lei para realizar mineração ilegal e delitos conexos; 5) Restaurar, remediar ou reabilitar ecossistemas transfronteiriços afetados pela mineração ilegal; 6) Implementar programas, projetos e ações para o combate à mineração ilegal e o desenvolvimento econômico e social nas Zonas de Integração Fronteiriça; 7) Trocar experiências sobre o processo de para formalização ou regularização da mineração em pequenas escala, artesanal ou tradicional e sobre o combate à mineração ilegal; e 8) outros assuntos que possam ser decididos…”. essa decisão faculta os países membros a “Confiscar e aprender, imobilizar, destruir, demolir, inutilizar e neutralizar os bens, maquinaria, equipes e insumos utilizados na mineração ilegal, para o qual há a regulamentação dos Governos…”.
  • Em 2014, a CAN criou o Comitê Andino Ad-Hoc de Mineração Ilegal (CAMI), através da Decisão 797, e em 2019 adotou a Decisao 884, criando o “Observatório Andino encarregado da gestão da Informação Oficial em matéria de Mercúrio”. Até 2022, realizaram-se seis reuniões do CAMI, e em 2022, publicou-se o primeiro informe do Observatório, que cobre o primeiro semestre de 2021. O Equador proibiu o uso de mercúrio na mineração desde 2015, e na Colômbia desde 2018. O Peru tem uma normativa para elaboração de um Plano de Manejo e/ou redução de mercúrio que não é efetiva, e Bolívia não tem uma normativa específica para controle e redução do mercúrio. Segundo o primeiro e único informe do Observatório, somente Colômbia e Peru realizaram apreensões de mercúrio, um total de 369 kg

PACTO DE LETICIA

  • O Pacto de Letícia só menciona de maneira subsidiária mineração ilegal em seu quinto mandato: “Concretizar iniciativas de restauração, reabilitação e reflorestamento acelerado nas zonas degradadas por incêndios florestais e atividades ilegais, incluindo a extração ilegal de minerais, com vistas a mitigação do impacto e a recuperação de espécies e funcionalidades de ecossistemas”.

PROPOSTAS

  1. Em prol de uma Amazônia livre de mineração[6]. Assim como não é possível enfrentar a crise climática sem a suspensão do uso de combustíveis fósseis, não é possível salvar a Amazônia e seus povos sem uma transição que impeça a mineração. A mineração legal, ilegal, em grande e pequena escala, contribuem ao ponto de não retorno da Amazônia e, portanto, é urgente elaboração e execução de um plano de transição para uma Amazônia livre de mineração.
  2. O plano de transição em prol de uma Amazônia livre da mineração deve incluir:
    • Proibição da mineração aluvial em toda a bacia amazônica (recomendação do Painel Científico da Amazônia).
    • Proibição e criação de mecanismos de controle contra a expansão de toda atividade mineradora em áreas protegidas e territórios indígenas.
    • Definição e execução de ações para redução e eliminação em cinco anos da mineração ilegal.
    • Estabelecimento de mecanismos efetivos de controle e rastreamento de maquinaria, hidrocarbonetos, equipes, mercúrio e insumos utilizados na mineração (CAN 774).
    • Planificação e execução de operações contra mineração ilegal mediante ações coordenadas em zonas de fronteira (CAN 774).
    • Identificação e prisão de quem participa em aparatos ou estruturas organizadas a margem da lei para praticar a mineração ilegal e delitos relacionados (CAN 774).
    • Implementação de programas, projetos e ações para o combate da mineração ilegal e em prol do desenvolvimento econômico e social nas Zonas de Integração Fronteiriça (CAN 774).
    • Fechamento dos mercados de produtos ilegais, como mercúrio e o ouro, que se comercializam de maneira ilegal (recomendação do Painel Científico da Amazônia).
    • Adoção e execução de medidas para o combate a lavagem de dinheiro e crimes associados decorrentes da mineração ilegal (CAN 774).
    • Realização de avaliações/auditorias financeiras às pessoas e empresas nacionais e estrangeiras que participam das redes de mineração ilegal (CAN 774).
    • Restauração, remediação ou reabilitação de ecossistemas transfronteiriços afetados pela mineração ilegal (CAN 774).
    • Realização de avaliações de impacto ambiental integrado e de médio prazo às atividades legais de empresas mineradoras, por parte de entidades independentes, para reforçar os planos de mitigação socioambientais e estabeleceu os termos de sua continuidade e futuro encerramento
    • Execução de planos para remediação de impactos à saúde humana e ao meio ambiente provocados pela mineração.
    • Estudo e desenvolvimento de alternativas econômicas comunitárias como propostas de transição para superar a narrativa colonial da mineração enquanto atividade essencial
  3. Estabelecer como meta a redução progressiva de importação e uso de mercúrio na mineração do ouro, até que se alcance sua eliminação total para o ano de 2027, promovendo práticas de mineração sem mercúrio e fomentando o processo de capacitação e transferência de tecnologias que contribuam com a transição para uma Amazônia livre de mineração e Mercúrio
  4. As ações frente a mineração ilegal devem ser de caráter integrado e compreender iniciativas para melhorar a saúde, a educação, a qualidade de vida, a comunicação, a luta contra o tráfico de pessoas, pela defesa dos direitos humanos e dos direitos da natureza. O desenvolvimento, promoção e fomento às alternativas econômicas de base comunitária, agroflorestais, ecoturísticas, artesanais e outras, deve ser um componente central da Agenda Estratégica da OTCA frente à mineração.
  5. Estabelecer, ao nível da OTCA, uma janela especial para apresentação de denúncias por parte de pessoas, comunidades e organizações sociais da Amazônia frente a obstruções e violações aos direitos humanos, os direitos da natureza e os direitos dos defensores cometidos por empreendimentos mineradores, ilegais ou legais, para que sejam investigados, processados sancionados no marco do ordenamento jurídico de cada país.
  6. Promover uma transição energética que não se dê às custas de uma expansão da mineração na Amazônia e da geração de novas zonas de sacrifício deste bioma.
  7. Aprovar um Plano Integral Regional Pan-Amazônico para proteção dos Direitos Humanos frente às atividades extrativistas, de exploração e desenvolvimento. A exploração mineral em países com instituições frágeis ocasiona, muito frequentemente, em problemas econômicos, políticos e sociais e institucionalmente frágeis como Amazônia
  8. Formar o Comitê Amazônico para a Mineração, que recorra, amplie e fortaleza – e sobretudo efetive a experiência do Comitê Andino Ad-Hoc de Mineração Ilegal – para a implementação do Plano de Transição para uma Amazônia Livre de Mineração, bem como para que se cumpra com as disposições contidas nos incisos precedentes. O Comitê Amazônico para a Mineração será formado pelos altos representantes de Estado e dos povos indígenas, da sociedade civil e da academia, dos nove países Amazônicos, e realizará prestação de contas públicas semestralmente.

[1] https://www.laamazoniaquequeremos.org/spa_publication/informe-de-evaluacion-de-amazonia-2021/

[2] https://maaproject.org/2022/deforestacion-venezuela/)

[3] https://news.mongabay.com/2022/11/mercury-rising-why-bolivia-remains-south-americas-hub-for-the-toxic-trade/

[4] https://ojo-publico.com/especiales/ruta-clandestina-del-mercurio-entre-peru-y-bolivia-para-la-mineria-ilegal/

[5] La declaración de la VI Reunión de Ministros de Relaciones Exteriores de Tratado de Cooperación Amazónica (TCA) del año 2000 mani1esta “su decisión de impulsar, en el marco del Tratado de Cooperación Amazónica, las iniciativas dirigidas a solucionar problemas entre otros, los cultivos ilícitos, narcotrá1co, tala indiscriminada de bosques, biopiratería y minería ilegal”. La IX Reunión de Ministros de Relaciones Exteriores de los Estados Miembros de la Organización del Tratado de Cooperación Amazónica (OTCA) del año 2005 decide “adoptar medidas que contribuyan a controlar y mitigar prácticas ilícitas, como por ejemplo, incendios forestales provocados, actividades ilegales mineras, principalmente auríferas…” Y la XI Reunión de Ministros de Relaciones Exteriores de 2011, reconoce “el esfuerzo que viene realizando el Perú en la Región de Madre de Dios, para erradicar la minería ilegal, que tanto daño causa al ecosistema amazónico”.

[6] https://territorioslivres.org/

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